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Arquitetos: Carlos Castanheira, Álvaro Siza Vieira
- Área: 11886 m²
- Ano: 2020
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Fotografias:C.K.L.
Descrição enviada pela equipe de projeto. O primeiro movimento no jogo de golfe é uma mistura de poder e elegância, em um grande equilíbrio. É comum a dificuldade de exprimir todo o processo de design e construção de um Edifício. Há algo mais para além do simples gesto ou resposta técnica a um programa, seja este mais ou menos complexo. Uma Obra não pode ser julgada pelo primeiro movimento, embora este movimento seja fundamental. Tem que conter uma grande carga de energia, uma grande elegância, mesmo que tímido. Uma análise à posteriori permite perceber quanto é importante o primeiro movimento, ou atitude, ou conceito, ou algo que não nos é de explicação fácil.
O edifício do Chia Ching House é parte de um grupo de projetos para a reestruturação do Taifong Golf Course, em Chang-Hua County, Taichung , Taiwan. No início o convite foi meramente para a projetação do novo Club House. Por razões de logística e estratégia, desenvolvemos primeiro o projeto do pequeno edifício Siza House, que serviu como Club House durante a construção do Chia Ching House.
Outros projetos foram sendo desenvolvidos – Tea House e Gate House – como complemento das funções necessárias a uma boa receção e prática dos jogadores de golfe, assim como de outras atividades. A sua construção seguir-se-á. Treinámos no Siza House e desenhámos o Chia Ching House.
Mais complexo em dimensão e funções, este novo projeto teria que fazer parte de um todo, mas que ao mesmo tempo tivesse a sua própria identidade e imagem. Mas o Campo de Golfe já existia e, embora fosse possível alguns ajustes no layout do jogo, era necessário prever a sua execução com o Campo a funcionar, em harmonia, conforto e segurança de todos.
Um desenho criterioso e de muito rigor. A sua organização interna era complexa devido às múltiplas funções, suas interligações e hierarquias. Foi necessária uma enorme interação entre o Dono de Obra, a Equipe responsável pelo Campo de Golf e Projetistas.
Embora o exercício de Arquitetura possa ter algo de individualista no início, é sobretudo um trabalho de Equipa com todos os outros Arquitetos, Engenheiros e construtores que são envolvidos neste processo. Desde o início até à sua conclusão. Para nós – arquitetos – foi um longo e proveitoso processo onde nos foi permitido projetar e construir – até ao momento – duas Obras singulares e com programas para nós completamente novos. O exercício de Arquitetura ou o ato de projetar em Arquitetura deve ser feito por criadores que não podem, nem devem ser especialistas.
No entanto devem ter a abertura - como para qualquer outro projeto - para ouvir o pretendido pelos Clientes, estudar a Arquitetura local, suas tradições e suas tendências. Manter uma objetividade crítica e sobretudo manter uma grande convicção do processo de desenho de modo a que este possa ser exigido durante todo o processo. Flexível e adaptável a qualquer nova exigência que venha de algo ou alguém exterior, ou mesmo de uma alteração que se possa achar necessário ou mesmo fundamental.
Volumetricamente, o Chia Ching House recebe-nos de braços abertos organizando o acesso de cada membro, convidado ou visitante. O longo volume fragmenta-se em outros volumes e geometrias diferentes, complementares em dimensão e em função das atividades que neles irão ter lugar. Embora a prática do Golfe como desporto seja, e pretende-se, a predominante, há muitas funções que giram à volta desta atividade e que são um complemento desta. Haverá também outras atividades de índole cultural e social que poderão e irão ter lugar neste edifício multifuncional. Internamente, a variedade de espaços é resultante da variedade e características de cada função e suas interligações.
Em Arquitetura função e espaço têm correspondência muito direta e a sua ausência originará disfunção, desconforto e, quase sempre, uma enorme perda de qualidade espacial e logo arquitetónica. A multifuncionalidade pretendida no Chia Ching House obrigou a vários estudos de espaço e relação entre estes de modo a que algumas contradições pudessem e fossem ultrapassadas. No entanto haverá sempre, neste compromisso, alguma contrariedade ou mesmo disfunção que nós – arquitetos – esperamos que a riqueza de espaço, luz e conforto consigam superar tamanha exigência.
O edifício é grande. Não temos uma completa noção da sua dimensão pela sua fragmentação e por estar espraiado na pequena encosta sobranceira ao plano de jogo. Nunca nos é permita uma absorção total do volume. O volume move-se e obriga-nos ao movimento. Balança. Por vezes suavemente, outras com mais energia. Faz-nos balançar à sua volta. Circulando pelo seu interior, a noção da sua dimensão também é reduzida pela sua organização, que está repartida por funções e pelas circulações entre estas.
No interior os materiais e a luz criam ambientes diferentes, permitindo que visitantes desfrutem da paisagem luxuriante do Campo, de um modo controlado e bem definido. A luminosidade não pode ser em demasia e por isso mesmo tem de ser controlada.
Arquitetura é o controle do volume, do espaço, dos vazios e sobretudo da sombra e da luz que a proporciona.
Os elementos necessários à criação do bem-estar e conforto, estão presentes. Acrescentámos mobiliário e outras peças que, em demasia, perturbem o espaço criado. Por vezes há um enorme medo do vazio e uma enorme tendência para encher os espaços com grandes quantidades de peças de mobiliário e outros artefactos que em nada nos dão conforto. Pelo contrário, introduzem um enorme ruído criando desconforto e sobretudo vulgaridade e fealdade. O mesmo acontece com os tetos e quantidade de iluminação desnecessária, onde cenários de luz se confundem com conforto e, sobretudo, beleza.
Neste edifício foi possível – com um enorme suporte dos Clientes – superar as comuns tendências e atingir um equilíbrio onde, volumetria, espaço, materialidade e luz se unem fazendo arquitetura. Sendo Arquitetos, primeiro somos funcionalistas. É da solicitação da função – ou funções – que as propostas surgem e se desenvolvem. Obviamente sem menosprezar o sítio, a envolvente e tempo onde e para que vivemos.
A forma segue função e por isso mesmo se hierarquiza e ganha riqueza, valor. A função exige luz, sombra, ventilação, segurança e tantas vezes outros elementos que bem trabalhados podem ser um enriquecimento em vez de uma redução. Mas dá trabalho garantir que tudo está presente, onde só o essencial é que é visível ou sentido.
Viajando pelo seu interior sentimos diversidade, relacionamento e sobretudo uma grande coerência, pois nada foi deixado ao acaso. Os materiais foram escolhidos tendo em conta a função, mas também a hierarquia de cada espaço. Por vezes a escolha de materiais é uma sequência – ou consequência – dos espaços e já não somos nós a escolher. É o espaço que exige. Por vezes não é fácil explicar como os espaços são exigentes e como já não dependem de nós. O Edifício – ou Obra – quase que ganha autonomia e passa a exigir. Contradizê-lo seria a negação da coerência e há que lutar para que seja mantida.
Como em quase todas as nossas obras foi-nos dada a possibilidade de estudar e desenhar mobiliário assim como outras peças. Há uma vontade e um desejo comum de ter uma peça única e de muita qualidade. O processo de desenvolvimento dos Edifícios do Taifong Golf Course foi um longo percurso, mas onde o entusiasmo e a vontade de fazer algo bom e com qualidade foi superior a qualquer acidente de percurso.
Agora que o processo está concluído – ou quase pois ainda temos a Tea House e a Gate House para construir – já tenho saudades das viagens, das reuniões e das visitas à Obra, tantas vezes sob um calor húmido onde – incompreensivelmente – há quem teime em jogar uma partida de Golf para depois desfrutar de um convívio de amigos. Ser arquiteto é fazer bem. Bem que proporcione prazer a quem vive o que projetamos e que ajudamos a construir.
O edifício do Chia Ching House está concluído e em pleno funcionamento. Ainda não o visitei desde a sua inauguração. Tenho pena. Questiono-me se poderia ter ficado melhor? Julgo que não! Tudo é consequência de um sem número de fatores que nós – arquitetos – temos que coordenar, negociar e – por vezes – mesmo lutar arduamente.
Ser Arquiteto é uma profissão privilegiada pelo imenso que damos aos nossos Clientes, mas também aos amigos destes e a muitos mais que irão viver, sentir, absorver o nosso trabalho, só possível com a participação de tantos que são elementos essenciais e tantas vezes anónimos no processo de conceção e construção de qualquer edifício.
Ser Arquiteto é fazer coisas, Edifícios. Que ficam.
A todos os que participaram neste processo o nosso sincero obrigado.
Arquitetura não é one man show. Cucujães, 6 de Março de 2021.
Carlos Castanheira